Senhor Presidente da República, Excelência,

Senhor Presidente da Assembleia Nacional, Excelência,

Senhor Presidente do Tribunal Constitucional, Excelência,

Senhora Ministra da Justiça, Excelência,

Senhores Deputados da Nação,

Senhores Membros do Corpo Diplomático,

Senhor Procurador Geral da República,

Senhor Presidente do CSMJ,

Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados,

Senhor Presidente do Tribunal de Contas,

Senhor Provedor de Justiça,

Ilustres Colegas Juízes Conselheiros do STJ, do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas e demais magistrados,

Senhores Advogados,

Senhores Oficiais de Justiça,

Distintos Convidados,

Minhas Senhoras, Meus Senhores

 

As nossas primeiras palavras não podem deixar de ser de cumprimentos à Sua Excelência o Presidente da República que, mais uma vez, nos concede a honra de presidir a honra de presidir à Cerimónia de Abertura do Ano Judicial 2023/2024.

Saudamos igualmente, pelo seu especial significado, as presenças neste acto de Sua Excelência o Presidente da Assembleia Nacional, do Senhor Presidente do Tribunal Constitucional, da Senhora Ministra da Justiça, dos Senhores Deputados e demais altos dignitários da República, bem como dos representantes do corpo diplomático.

Cumprimentamos finalmente, com cordialidade, todos os que nos honram com a sua presença nesta cerimónia, o que penhoradamente agradecemos.

Nas sociedades democráticas, estruturadas em Estado de Direito, em que à Justiça cabe dirimir os litígios e assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, à abertura do ano judicial, significando o reinício do normal funcionamento dos Tribunais, após o período das férias judiciais, costuma-se creditar especial significado.

E assim deve ser, desde logo porque constitui o momento em que se reúne a Comunidade Jurídica, com a participação dos órgãos de soberania, titulares de altos cargos públicos, autoridades religiosas e expressivos segmentos da sociedade civil, para se renovar a confiança na Justiça, enquanto valor supremo que deve imperar na sociedade e orientar o seu devir.

É momento de troca de votos, de se auspiciar sucesso para as instituições judiciárias e seus servidores, a meio a justificada solenidade.

Apraz-nos, assim, registar o esforço que também se vem fazendo entre nós para se restituir à abertura do ano judicial o seu genuíno e tríplice significado: de celebração, de balanço e de antevisão dos desafios que se perfilam para a Justiça.

Estamos, entretanto, cientes de que não faltará quem há de perguntar: mas, perante tudo que se tem falado da Justiça, com intensa mediatização das suas disfunções, está-se a celebrar o quê?

A isso, Senhor Presidente da República e distintos convidados, respondemos:

A celebrar antes de mais os nobres valores que nos unem e que são intensamente vivenciados por nós.

A celebrar a sociedade democrática e o ambiente de paz e de concórdia em que vivemos, particularmente numa altura em que os tambores da guerra, tambores do ódio e da intolerância, embora distantes, não deixam de ressoar pelos nossos lares adentro, através da televisão e de outros meios de comunicação.

A celebrar uma sociedade em que os cidadãos têm a absoluta garantia de que a crítica que fazem aos poderes públicos ou ainda a discordância ou a dissidência em matéria política, jamais dará lugar à perseguição ou a qualquer processo judicial.

A celebrar uma sociedade em que os cidadãos desfrutam desse bem tão precioso que é a prerrogativa de poderem escolher livremente os seus governantes e de periodicamente fazerem, também em eleições livres e transparentes, o seu julgamento sobre a governação da República e, se assim o entenderem, substituir, pela via pacífica, aqueles que exercem o Poder.

São direitos que, como a observação empírica vai confirmando, só ganham significado efectivo se puderem contar com suficiente garantia judiciária, isto é, garantia de acesso a Tribunais, verdadeiramente independentes e imparciais, para serem defendidos e protegidos.

Por isso mesmo, a celebração do novo ano judicial é também, e acima de tudo, a celebração da existência no nosso país de um poder judicial independente, garante do respeito pelos direitos fundamentais e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

Trata-se de uma conquista que, como não será difícil de convir, representa um progresso notável, por comparação com qualquer outro modelo de administração da justiça vivenciado nas ilhas antes da instauração da Democracia.

Isso para dizer que, devemos colocar a administração da Justiça no nosso país numa perspectiva histórica, de modo a se evitar embarcar em certas narrativas, nomeadamente na ilusão de que teremos tido nas ilhas um estado de perfeição no funcionamento da Justiça, a partir do qual, e devido a uma espécie de pecado original, tudo terá começado a se desmoronar, até se chegar àquilo que, como se insinua amiúde, se abeiraria da ruptura.

Fosse assim, estaríamos perante um autêntico paradoxo: a institucionalização da Democracia e do Estado de direito, bandeira que mobilizou todas as energias da Nação, nas Ilhas e na Diáspora, teria, afinal, representado uma degradação para a administração da Justiça.

Nada mais falso.

Desde logo, nunca é demais reafirmar, em sede dos princípios, que a Justiça do Estado de Direito não pode ser comparada, nem de perto nem de longe, com qualquer outro modelo que vigorou nas nossas ilhas, na exacta medida em que não se pode comparar grandezas incomparáveis.

Nisso não vai qualquer desconsideração ou indiferença pela avaliação que é feita da Justiça e pela justificada insatisfação que entidades públicas e privadas, mas sobretudo muitos cidadãos, vão exprimindo quanto ao seu funcionamento.

Muito pelo contrário, registamos com todo o sentido de responsabilidade esse julgamento, mesmo naquilo que, porventura, se afigura infundado.

Mas, não se deve perder de vista que nos estados de direito, para além do aumento vertiginoso do acesso à Justiça, como tem vindo a confirmar as entradas de processos, sempre em crescendo, as disfunções da Justiça, tal como as disfunções dos órgãos de soberania e da governação em geral, ficam mais expostas, são denunciadas com maior vigor e reprovadas de forma mais severa, porque existe pluralismo no plano político, maior escrutínio da sociedade em relação aos poderes públicos, liberdade de crítica da parte dos cidadãos e, sobretudo, liberdade de imprensa.

Como dizíamos há poucos dias no encerramento do Fórum organizado Pela Associação Sindical dos Juízes Cabo-verdianos, esse constitui “um dado novo com que os sistemas de administração da Justiça não vinham sendo confrontados no passado: serem avaliados e classificados em vários items, como a sua independência, o seu desempenho, nomeadamente a sua eficácia e eficiência, bem como a integridade dos seus servidores”.

Outrossim, nas democracias os problemas da Justiça são objecto de intenso debate nas instâncias políticas, aonde, como se sabe, prevalece a dialética situação versus oposição.

Um debate por vezes não com o objectivo de se encontrar as melhores soluções, mas sim para se ver quem, do estado da Justiça, nomeadamente das suas disfunções, consegue capitalizar maior dividendo político, consegue galvanizar a opinião pública, não se importando se daí podem, porventura, advir danos colaterais à imagem e à credibilidade de um sujeito que está sempre ausente desse confronto: a Magistratura.

Uma Magistratura a quem, pelo menos a fazer fé nalguns pronunciamentos, se insiste em manter com o estatuto de menoridade, que justificaria o desprimor e um certo paternalismo com que é por vezes olhada.

Num tal contexto, e sem se pretender eximir ao escrutínio democrático, escrutínio inteiramente legítimo, tem de ser, contudo, encontrado o ponto de separação de águas.

A César o que é de César e a Deus o que é de Deus. À política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça.

Isso para dizer que, respeitando inteiramente a avaliação que é feita no plano político, em que cada um pretende fazer passar a sua agenda, impor o seu próprio sentido das coisas, e retirar os seus próprios dividendos, à Justiça só resta preservar a sua autonomia e guardar o seu distanciamento de tais julgamentos.

Para isso torna-se imprescindível manter a serenidade e preservar o foco, ter referências e critérios objectivos de mensuração do desempenho, por forma a se saber se, num determinado horizonte temporal, terá havido retrocesso, estagnação ou progresso, sempre na mais firme convicção de que não será realista esperar que os enormes problemas da Justiça se resolvam com uma varinha mágica ou de noite para o dia.

Pelo menos é o que pensam os que já enfrentaram os mesmos problemas com que temos estado a deparar em Cabo Verde, como é o caso de um antigo Bastonário da Ordem dos Advogados de um país amigo que, interpelado sobre se a Justiça estaria em crise, respondeu da forma que passamos a citar:

Quem percorra a literatura sobre a justiça ao longo de todos os tempos terá de concluir que esta nunca deixou de ser considerada em crise.

O Homem, no seu juízo sobre a justiça, sempre teve o bom senso de manifestar a sua insatisfação. E esta traduz-se, naturalmente, na afirmação de que a Justiça está em crise.

Não há crises na Justiça. Ela é, por natureza, uma instituição que reúne as qualidades e os defeitos do homem

(…)E nada se logrará enquanto se tentar resolver tudo, quando o que está certo é que cada um faça o que está ao seu alcance para melhorar a imagem da justiça”.

Fim da citação.

Eis, pois, uma atitude que reputamos de enorme sensatez, e que exortaria todos os servidores da Justiça, sejam eles magistrados, advogados ou oficiais de justiça a também adotarem.

Na verdade, não pode haver melhor avaliação da Justiça do que aquela que passa por interpelarmos a nossa própria consciência se, num determinado horizonte temporal sob avaliação, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para melhorarmos a imagem da Justiça perante o cidadão e a Comunidade.

É o que em breves palavras, Digníssimos Representantes da Nação e demais convidados, passaremos a fazer.

Há cerca de um ano Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, conferia posse a dois novos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça. De seguida investiu-nos na muito honrosa função de presidir a esse mais alto tribunal judicial do nosso País.

Foi um momento de renovação, com o qual o Supremo Tribunal de Justiça viu finalmente preenchido o seu quadro de Juízes Conselheiros e passou a funcionar na normalidade, o que não se verificava havia alguns anos.

Na ocasião, assumindo que se estava perante uma nova largada, comprometemo-nos a tudo fazer para melhorar a prestação e a imagem do Supremo Tribunal, elencando as prioridades que iriam integrar o nosso caderno de encargos.

É com satisfação que comunicamos neste acto solene que se assiste efectivamente a uma nova dinâmica no funcionamento do Supremo Tribunal de Justiça, expressa no mais alto número de processos decididos em menos de um ano, o que por seu turno, contribuiu para uma substancial redução das pendências.

Em algumas áreas, como a jurisdição laboral, cumprimos na plenitude a nossa promessa de julgar todos os processos que se encontravam pendentes. E não eram poucos. Neste momento, e no que toca aos processos laborais, encontra-se apenas um único por julgar, o que ainda não aconteceu porque se está a aguardar o impulso da parte.

Por falar em nova dinâmica do Supremo Tribunal, não podíamos deixar de aproveitar esta ocasião para anunciar o relançamento da página do nosso tribunal na internet. Como afirmamos na mensagem de boas vindas:

Com essa página pretende-se instituir um canal privilegiado de interacção com o público, nomeadamente no que toca à divulgação da missão do Supremo Tribunal de Justiça, bem como das suas actividades, em especial da jurisprudência que vai produzindo, com o que, suprindo uma lacuna que há muito vinha sendo assinalada, se proporciona melhores condições para o conhecimento e o legítimo escrutínio do funcionamento deste importante órgão de soberania

A nossa expectativa, fundada no trabalho que vimos desenvolvendo, é de que no ano judicial que ora se inicia iremos superar largamente os bons resultados do ano transacto, a começar pelo aumento significativo do número dos processos decididos.

Em sede de redução das pendências, atenção particular vai ser dispensada a todos os processos que entraram até 2015, em particular no domínio do Contencioso Administrativo, por forma a que possa deixar de haver razões para se falar em processos pendentes por mais de 10 anos.

A par disso, iremos reduzir substancialmente o tempo de pendência dos processos com arguidos presos assim como os processos laborais, de família e menores, bem como as providências cautelares.

Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia Nacional, Senhora Ministra da Justiça, Senhores Deputados,

Pode-se perguntar que factores têm estado a contribuir para essa nova dinâmica que se vive no STJ.

Desde logo, a organização, o planeamento e a fixação de metas realistas, que podem ser alcançadas num determinado horizonte temporal.

Contribui também para isso o recrutamento de uma equipa de assessores para ajudarem os Juízes Conselheiros na preparação do julgamento dos processos, o que só foi possível porque na arbitragem política da alocação dos recursos, se compreendeu a importância de se dotar o STJ dos meios necessários ao cumprimento da sua missão.

Nesse sentido, é de inteira justiça dizê-lo nesta sede, o diálogo com o Governo, em particular com os Ministros da Justiça e das Finanças, se tem revelado muito profícuo.

Ousaríamos mesmo sustentar que a mudança que se vai registando no STJ é confirmação de que, ao contrário do que muitos afirmam, os problemas da Justiça, mesmos os mais crónicos, têm solução.

Numa palavra: dêem à Justiça os meios, que os resultados seguramente não deixarão de aparecer.

Ainda em sede de balanço, não posso deixar de endereçar uma palavra de apreço, pela sua dedicação e empenho, aos funcionários, em especial aos oficiais de Justiça colocados no Supremo Tribunal de Justiça, para quem, Senhora Ministra da Justiça, peço especial atenção quanto ao seu estatuto remuneratório, na medida em que, devido à baixa geração de receitas, nomeadamente em sede das custas judiciais, têm vindo a ver defraudadas as suas legítimas expectativas de percepção dos emolumentos em montante que se afigura justo, tal como sucede noutros tribunais.

Aliás, penso que se torna absolutamente inadiável o ajustamento salarial dos servidores da Justiça, em especial dos magistrados, que, custa acreditar, não vêm o seu salário actualizado há cerca de 26 anos. Quase uma inteira vida profissional, sem se conhecer qualquer incremento salarial.

Senhor Presidente da Republica,

Distintos convidados,

Prezados colegas magistrados,

Temos enorme confiança em como o ano judicial de 2023/2024, que ora se inicia, será um ano auspicioso para a Justiça.

Um ano em que se concretizarão os mais ambiciosos projectos de modernização dos nossos tribunais, como o Sistema de Informação da Justiça, para o qual se poderá contar com a nossa inteira disponibilidade e o nosso mais firme empenho.

A nossa Justiça precisa da implementação desse projecto, como de pão para a boca, pois é através dele que, a par de acrescida transparência que proporciona, poderemos passar a conhecer com rigor e fiabilidade qual a real situação em termos das pendências, o que, por seu turno é imprescindível para as tarefas de planeamento e gestão dos Tribunais.

Os agentes da Justiça almejam por esse salto qualitativo nas suas condições de trabalho.

Querem também se sentir úteis e valorizados na contribuição que dão ao progresso do nosso País.

Estão sobretudo bem cientes de que só há uma forma de se enfrentar o pessimismo e se desconstruir o discurso negativo em torno da Justiça:

Investimento, organização, gestão mais moderna, trabalho, trabalho e mais trabalho!

É o que, na parte que depender de nós, solenemente prometemos.

Feliz ano judicial 2023/2024 a todos.

Muito obrigado.